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Foto do escritorMaik Bárbara

Esfinge: Hipótese da Erosão por Água – FATO ou FICÇÃO

Por séculos, a Grande Esfinge de Gizé tem sido um símbolo do poder e mistério do antigo Egito. Esculpida em um único bloco de calcário, a colossal estátua é um dos marcos mais reconhecidos do mundo. No entanto, por anos houve controvérsia sobre a causa da erosão nos arredores e na própria Esfinge, com alguns sugerindo que é erosão, e por consequência, causada por água. Nos últimos anos, no entanto, essa teoria foi desacreditada, pois não se sustenta pela falta de evidências aplicação do método científico para comprovar a proposta dessa hipótese, bem como por haver provas do contrário.

O geólogo Colin Reader apresenta evidências que, por ironia do destino, “minam” a teoria da erosão por água. Ele argumenta que as evidências para a erosão por água são na verdade o resultado do intemperismo e não erosão do calcário do qual a Esfinge é feita.

Para ficar claro, a concepção correta de ambos os termos faz toda a diferença em uma dissertação abarcando um assunto tão delicado como esse, portanto por definição a erosão segundo a geologia é: desgaste da superfície terrestre pela ação mecânica e química da água corrente, provenientes de chuvas ou outras fontes; ou de outros agentes geológicos. Já o termo intemperes, ou o intemperismo consiste no conjunto de processos mecânicos, químicos e biológicos que ocasionam a desintegração e a decomposição das rochas.

Exemplo da fratura na rocha superficial que o efeito de flocagem pode acometer. Imagem de Robert Schneiker, local: Esfinge de Gizé, Egito.

A pesquisa de Reader é baseada em uma detalhada e extensa análise da Esfinge e sua área circundante. Ele observa que o monumento é esculpido em um tipo de calcário que é altamente suscetível ao intemperismo, e que com o tempo, a exposição aos elementos promoveu com que os 3 tipos de densidades diferentes do calcário de composição do piso de rocha de onde foi esculpida a grande estatua se desintegre, gerando fissuras e o processo de flake surface, ou flocagem da superfície, abrindo assim fendas, ranhuras, criando falhas verticais e horizontais, e por fim soltando lascas das áreas mais superficiais.

A proposta de hipótese de 1991 se popularizou nos últimos anos devido à grande disseminação que as redes sociais proporcionaram aos olhos não treinados de entusiastas do passado humano. Porém muito já foi publicado, e após 30 anos desde o início, muito já foi comprovadamente refutado.

O termo geológico no inglês para esse fenômeno é weathering, ou em tradução literal, intemperismo, onde promove o efeito flocagem em áreas onde há severa exposição ao sol e ao vento, e ao mesmo tempo tem regiões que não sofrem desse mal, sendo assim no deserto, para regiões de solo rochoso e sem a presença de terra ou areia no subsolo, se torna um prato cheio para esse processo se unir a outro fator que causa a aparente ‘erosão por água’.

A ideia de que a água foi responsável por criar erosão na Esfinge ganhou popularidade na década de 1990, quando o geólogo Robert Schoch argumentou fazendo tal alegação e levantando a hipótese. No entanto, Reader, assim como outros geólogos que tiveram tempo para isso, contestam essa proposta hipotética. Eles afirmam que o tipo de erosão que Schoch observou poderia ser explicado pelo intemperismo e que não há evidência de erosão por água na Esfinge, apenas especulação.

Foto do início do séc. XX. Na imagem fica claro as fissuras marcantes nas costas da Esfinge.

Em explicação complementada por diversos outros estudos geológicos que podem ser explorados na bibliografia desse artigo, um fato vastamente conhecido no meio acadêmico que descarta amplamente a hipótese da erosão por água. É o famigerado e bem conhecido processo complementar com as intemperes do planalto de Gizé: a haloclastia.

O termo é um antigo conhecido dos geólogos de todo o mundo, que consiste no processo de fragmentação de rochas e minerais pela força de expansão de cristais salinos devido a crescimento cristalino, o que eleva seus efeitos com a reações por meio da hidratação desses cristais salinos e/ou expansão térmica, resultando assim em fraturas, fissuras e flocagem de superfície.

Nada melhor que um planalto de piso rochoso do deserto para ter altas temperaturas diurnas, e baixas à noite. A umidade subterrânea promovida pelo Nilo, á profundidades que chegam a até 15 metros, somada com a proximidade com mar, e um solo que cerca de 45 milhões de anos atrás já foi solo oceânico, geram o perfeito cenário para a expansão dos cristais de sal que estão por entre as 3 camadas de rocha que compõem os arredores da esfinge e ela própria no seu miolo.

O piso do planalto de Gizé foi inicialmente cavado para obtenção de rochas para a construção das pirâmides, mas logo os arquitetos egípcios antigos descobriram que ao se aprofundar na rocha, as camadas iam se mostrando com densidades e durezas diferentes, sempre mais fracas.

A erosão por água sendo a causa responsável pelo aparente desgaste na Esfinge, tornou a teoria ainda é popular em alguns círculos, principalmente para o mundo digital que vivemos hoje, com informações chegando sempre em forma de pílulas de um minuto ou menos. Uma razão para essa popularidade é que a teoria foi abraçada por aqueles que acreditam na ideia de uma civilização perdida antiga, o que leva à argumentação de que a Esfinge foi construída por uma civilização que antecede o antigo Egito e a erosão na Esfinge é evidência de uma grande inundação que ocorreu há milhares de anos.

Assim como nos dias atuais, a Esfinge de Gizé foi reformada por inúmeras vezes, no quadro acima, mesmo em inglês, é possível verificar a datação feita conforme os momentos da história egípcia.

Embora essas teorias possam ser intrigantes, elas não se sustentam em evidência, tal como e mais vastamente exposto na matéria da edição 2 do Almanaque ArqueoHistória expõe com a Matéria: Ancient Apocalypse – Reescrevendo da História (Errada). Além disso, por haver pouco o que se utilizar para pesquisas que possam levar a esse resultado da erosão por água, as publicações que ocorrem são apenas de cunho literário, livros, e não em forma de artigos científicos.

Pois, se fossem artigos científicos, o processo de pesquisa científica demandaria que outros geólogos, tanto quanto outras áreas corroborassem a hipótese em aceitação geral, pelos estudos e métodos oficiais. Se não há evidências, haverá apenas especulação, e esta sozinha nada influi.

Nos últimos anos, houve um interesse renovado em de tudo isso: investimento governamental privado no estudo da Esfinge e da área circundante. Arqueólogos e geólogos estão trabalhando juntos para aprender mais ainda sobre a história do local e das pessoas, povos, dinastias que o construíram e reformaram através dos séculos. Ao examinar as camadas geológicas ao redor da Esfinge, os pesquisadores podem substancialmente determinar a idade do monumento e a história geológica da área circundante.

A cabeça não é desproporcional ao corpo, ela apenas está sem os adornos característicos utilizados pelos Faraós da 4º dinastia.

Um dos projetos mais notáveis é o Programa Giza Plateau Mapping Project, liderado pelo arqueólogo Mark Lehner. Este projeto tem como objetivo mapear e documentar o Planalto de Gizé, incluindo a Esfinge e as pirâmides, usando tecnologia de ponta, como levantamentos aéreos e radar de penetração no solo, o que está elevando, e muito, a compreensão dos pesquisadores sobre a construção e história do local sob uma visão geológica.

Em outro artigo publicado na revista Geoarchaeology, Lehner e seus colegas afirmam de forma breve, porém assertiva, firme e comprovatória de que a erosão na Esfinge é o resultado do intemperismo natural e não de erosão por água. Eles observam que a análise geológica da área circundante mostra evidências de intemperismo e a erosão que existe, é a promovida pelo vento e atrito de areia com as camadas expostas das laterais do fosso e a própria esfinge.

Ao fundo, a parede lateral, fruto de haloplastia. A pata traseira da figura antropomórfica da Esfinge e os tijolos de reformas dinásticas e falta das fissuras maiores nas costas, fruto de reformas do século passado. O presente interferindo no passado: até onde vai a veracidade dos fatos e estudos feitos apenas por observação de entusiastas curiosos?

De acordo com Lehner e seus colegas, assim como inúmeros estudos e publicações oficiais (artigos científicos) do geólogo Robert Schneiker, a ideia de a Esfinge ter sido construída por uma civilização anterior ao antigo Egito é altamente improvável. Todos argumentam que as evidências arqueológicas e históricas mostram que a Esfinge foi construída no início da Quarta Dinastia, por volta de 2550 a.E.C., e ainda apontam que o estilo arquitetônico e a iconografia da Esfinge são consistentes com a cultura e a arte da época.

Além disso há o fato do fosso que ela se encontrar hoje ser mais antigo que a estátua em si, pois a premissa mais aceita hoje é que o início da remoção de rochas para construção das pirâmides possa ter nascido ali, porém por ser uma área suscetível a inundações do Nilo e frágil composição de densidade, justamente pelo efeito de flocagem, haloclastia, os construtores e engenheiros possivelmente procuraram outro local para extração de rochas e abandonaram o fosso dando nosso propósito durante a 4ª dinastia.

Os resultados das pesquisas observam que a dita “erosão” na Esfinge é consistente com a “erosão” que ocorreu em outras estruturas antigas na região. Ou seja, as análises de outros locais, como a Pirâmide de Djoser e a Pirâmide de Miquerinos, mostram padrões similares de deterioração por intemperismo, e os locais de extração das rochas para a produção dos monumentos tem tudo relacionado com as condições do fosso da esfinge. Isso sugere que os efeitos do tempo na Esfinge não são únicos e é simplesmente o resultado de processos naturais que estiveram em ação na área por milhares de anos.

Lençóis freáticos umedecem o subterrâneo de Gizé, assim como por inúmeras vezes as antigas inundações do Nilo chegavam a acrescentar boa parte da umidade penetrante no piso do planalto. É valido lembrar que a Esfinge hoje tem um sistema de drenagem milionário patrocinado pelo governo dos Estados Unidos anos atrás, tudo para evitar ainda mais deterioração por ação da haloclastia.

Apesar das evidências de que o intemperismo é a principal causa do desgaste peculiar e aparente na Esfinge, a teoria de erosão por água continua a ser popular em alguns círculos. Isso se deve em parte ao fato de que se encaixa em uma narrativa maior de civilizações perdidas e segredos antigos da história da humanidade, um tema até empolgante para não especialistas.

No entanto, como Lehner, Schneiker e tantos outros observam, as evidências simplesmente não sustentam a hipótese pulicada pela primeira vez em 1991 (Robert Schoch e John Anthony West apresentaram seu artigo defendendo a proposta de hipótese no encontro anual da Geological Society of America em San Diego, Califórnia, EUA).

Ao invés de procurar por fantasias, devemos nos concentrar na incrível conquista intelectual e arquitetônica dos gênios viventes na época dos antigos egípcios que mediante intelecto destacado e potencial de investimento, tempo e tradição religiosa construíram esses monumentos admirados nos dias de hoje, e até invejados, e criaram uma civilização que tem fascinado as pessoas por séculos.

Em conclusão, a ideia de que a erosão por água é responsável pela corrosão na Esfinge foi completamente desacreditada por geólogos e arqueólogos nos últimos 30 anos, porém pouco se divulga nos nas mídias sociais, onde ficam a maioria dos curiosos e entusiastas não especialistas do assunto. As evidências mostram claramente que as formações peculiares são resultado do intemperismo, haloclastia, localidade especial e condições em relação a lençóis freáticos e proximidade com o Nilo; fruto dos processos naturais que estiveram em ação na área por milhares de anos.

Ainda há muito a aprender sobre a Esfinge e seu significado para os antigos egípcios e as gerações milenares que vieram após sua construção. Como observa o arqueólogo Zahi Hawass, controverso em muitas das suas ações, porém ainda um egiptólogo que em um artigo para a revista National Geographic cita:

A Esfinge é a personificação do sol em sua ascensão, no início do dia.

Ele observa e aponta a figura da esfinge como importante na religião e mitologia egípcia, e completa apontando que sua imagem foi usada em amuletos e esculturas por milênios, o que é facilmente comprovado por artefatos expostos nos museus e coleções particulares.

Hawass também observa que há muito a ser descoberto sobre a Esfinge e o Planalto de Gizé. Ele diserta que, embora as pirâmides sejam as estruturas mais famosas da região, elas são apenas uma parte de um complexo maior que inclui muitos outros monumentos e estruturas. Ele acredita que há muito mais a ser descoberto sobre a história e a cultura do antigo Egito, e que novas descobertas e pesquisas nos próximos anos continuarão a expandir nosso conhecimento do local.

Ainda há muito a ser descoberto e aprendido sobre a história e cultura do intrigante antigo Egito. A Esfinge continua sendo uma figura icônica e misteriosa na paisagem do Planalto de Gizé, e sua imagem continua a fascinar e intrigar as pessoas de todo o mundo. Com mais pesquisas e descobertas, podemos esperar que nossa compreensão da Esfinge e do antigo Egito continue a crescer e evoluir, mas a erosão por água e alocação da construção do monumento na época que o Saara era ainda floresta estão cada vez mais distantes de se tornarem uma hipótese válida, haja vista a falta de comprovações, evidências e provas.

Por Maik Bárbara @hipotesezero


FONTES e ARTIGOS CIENTÍFICOS: Bunbury, J. M. (2009) Egypt and the Global Cooling Crisis. Ancient Egypt Magazine, 10 (1). pp. 50-55

Hawass, Zahi, and Mark Lehner. "Remnant of a Lost Civilization?" Archaeology 47, no. 5 (1994): 44-47

Schneiker, Robert. “The Great Sphinx: From the Eocene to the Anthropocene”, 2014

Moores, Robert G. “Evidence for Use of a Stone-Cutting Drag Saw by the Fourth Dynasty Egyptians.” Journal of the American Research Center in Egypt, vol. 28, 1991

Moshenska, Gabriel. "Alternative Archaeologies." In Key Concepts in Public Archaeology, edited by Moshenska Gabriel, 122-37. London: UCL Press, 2017

Kröpelin, S., et al. “Climate-Driven Ecosystem Succession in the Sahara: The Past 6000 Years.” Science, vol. 320, no. 5877, 2008, pp. 765-768

Hawass, Z., & Lehner, M. (1994). THE SPHINX: Who built it, And why? Archaeology, 47(5), 30-41

Scarre, Christopher. The Human Past: World Prehistory and the Development of Human Societies. Thames & Hudson, 2018

Manley, Bill. The Seventy Great Mysteries of Ancient Egypt. Thames & Hudson, 2003

Lal Gauri, K., Sinai, J. J. and Bandyopadhyay, J. K. (1995), Geologic weathering and its implications on the age of the sphinx. Geoarchaeology, 10: 119-133

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