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Foto do escritorMaik Bárbara

BIOSSISTEMAS SUBTERRÂNEOS - PARTE 1

UNDERWORLD – O INFERNO NO CENTRO DA TERRA

O PLANETA QUE NINGUÉM CONHECE, DOS MITOS DO SUBMUNDO AO REAL SUBSOLO: A CONFUSÃO ENTRE INFERNO E SUBTERRÂNEO


A raça Humana intriga em seus mecanismos mentais ao criar mitos para explicar o desconhecido à sua volta. Mas quanto o passado é analisado com a perspectiva e tecnologia do presente, enxergamos que muito das lendas podem ter sua origem em fatos, e com o Inferno não seria diferente.


POR ONDE TUDO COMEÇA?

A criação de mitos e arquétipos da psique humana chegam a patamares exímios em se tratando de criatividade, porém quando os mitos começam a fazer sentido segundo novos achados e provas arqueológicas e/ou através de pesquisas recentes de rastreamento por varredura de radares de sismografia, satélite ou LiDAR (Light Detection & Ranging, em tradução interpretativa: Detecção e Alcance de Luz - tecnologia óptica de varredura e detecção de densidades variáveis de materiais). Então a história muda de figura. Percebemos que a narrativa das línguas mortas há milhares de anos esquecidas e decaídas do uso popular, foram talvez mal traduzidas ou interpretadas, e ao se referirem ao “submundo”, na verdade estariam falando sobre o “subsolo”.


Exemplo de aplicação da tecnologia de LiDAR: a imagem da descoberta de 2021 na Guatemala de uma cidade inteira escondida sobre sedimentos e a densa mata floresta, possível de ser mapeada apenas após a explusão da vegetação e detritos com o uso do sobrevoo e varedura, e posteriomente o mapeamento por densidade, gerando assim um mapa tridimensional.


Por vezes alguns dos mais fantásticos e fantasiosos contos de folclore se provaram verdade. Por vezes pesquisadores contemporâneos ou meros divulgadores científicos, não totalmente preparados, atribuem a distorção da realidade transformando-a em mito, tudo devido à necessidade da mente humana de divinizar o desconhecido ao seu redor, ou até conferem isso aos nossos antepassados e sua imaginação fértil, ou até que foram lendas fruto da criação em ritos executados sob o efeito de alucinógenos.

Todavia, de tempos em tempos a humanidade falha desastrosamente em sua autoanálise. A história como é narrada sempre parte de algum pressuposto e de achados arqueológicos, o método científico impera. A partir daí são criadas hipóteses que após comprovações e juntadas a outras, se tornam teorias, então logo depois da aceitação dessas teses, que nem sempre acontece em um primeiro momento, vem o status da teoria ser tomada como certa, até que se prove o contrário.

Infelizmente, provar o contrário fica cada vez mais difícil, como Ernst Friedrich Schumacher mesmo parafraseou em seu livro Small is Beautiful: A Study of Economics As If People Mattered - O Negócio é Ser Pequeno, título da publicação no Brasil – porém, já na forma de tradução literal ficaria mais assertivo no seu significado, sendo: Pequeno e Belo: Um Estudo de Economia Como se as Pessoas Importassem:

Qualquer tolo inteligente consegue fazer coisas maiores e mais complexas. É necessário um toque de gênio – e muita coragem – para ir na direção oposta.

Estudar e se impor em uma nova teoria e revisionismo histórico, ou seja, uma nova vertente narrativa da linha histórica atual, é um desafio enorme, pois a amnésia coletiva social leva a um patamar de establishment passivo - establishment se traduz por: ordem ideológica, econômica e política que constitui uma sociedade. O que coloca a história do mundo, o passado da humanidade, à mercê de ideologias religiosas e credos correntes, geopolítica e até brigas territoriais. Porém não é uma missão impossível. A ciência está abarrotada de pesquisadores de mentes abertas aptos a colher evidências e acalentar novas teorias, colocando-as à prova e comprovando sua veracidade, haja vista ser essa a metodologia analítica correta.

De qualquer forma, a pesquisa investigativa pode ser feita por muitos, sempre dentro da razão do método científico, e as pegadas do passado estão ainda visíveis e rastreáveis, com um pouco de percepção, investimento e tempo, e coragem com genialidade, podemos reavaliar o passado e seus segredos a ponto de compreender as origens dos mitos.

Hoje, no mundo existem diversas crenças religiosas, as quais se divide principalmente em três grandes grupos/religiões, todas de descendência abraâmica monoteístas, sendo elas: Islamismo, Judaísmo e Cristianismo. E nelas o conceito de uma dimensão de perdição e penitência, um submundo das trevas, ou apenas o Inferno, é muito bem conhecido e explanado. Todavia, o conceito em si pode ser bem mais que mera alegoria, assim como o mesmo conceito em outros povos do mundo que existem ou já existiram possuem seus próprias mitos dessa mesma região, apenas com pequenas diferenças e nuanças. E essa matéria propõe a explorar não apenas o mundo infernal das religiões abraâmicas, mas a raiz desse mito em um cenário ainda mais amplo em tempo e espaço.


MITOLOGIA DO MITO

Para entender a ciência por trás da análise do mito, primeiro deve-se compreender o que é o mito. Algo que no campo do estudo da visão sobre o mundo dos mortos das culturas antigas se faz necessário.


Há diversidade e, ao mesmo tempo, semelhança, dentro do conceito do “lugar para onde as pessoas vão depois da morte”, e embora pareçam ser coisas diferentes, por vezes olhamos de forma analítica para dentro da mente humana primitiva e vemos: o tão cultuado Submundo nos textos antigos, ritos religiosos e até novas línguas, além das descobertas plausíveis a serem decifradas mediante aos seus artefatos deixados para a posteridade.

Não seria razoável abordar o tópico de submundo se não fosse citado o Inferno, o local idealizado pelas religiões abraâmicas que tem idade calculada por volta de 1.700 anos de idade, ou seja, cerca de 300 anos dEC (depois da Era Comum – datação que fora de termos laicos acadêmicos é chamada de: dC – Depois de Cristo).

Segundo a mitologia católica, o Inferno seria o local para onde os espíritos malignos e pecadores das pessoas vão após a morte e julgamento. Um local de sofrimento eterno, onde são molestados pela entidade que um dia foi o mais lindo e habilidoso arcanjo do reino dos céus, Samael, ou chamado pelo nome que mais é conhecido Lúcifer.

Na filologia, Inferno é uma palavra de origem luso-portuguesa evoluída como versão latina do latim infērnum, o que não apenas é um substantivo masculino nominador do local de suplício dos espíritos condenados às penas eternas, segundo a visão religiosas, mas também em sua raiz significa “as profundezas - da Terra” e/ou “mundo inferior”. Também era usada como palavra que arremetia a locais de desordem e confusão, atormentador, e é por esse motivo que a compreensão, ideia e conotação religiosa que conhecemos hoje arremete à possível localidade desse local de perdimento, sendo sob um localidade física e palpável, e sob a superfície do planeta, nas profundezas de onde habitam as pessoas vivas.

Interessante como a etimologia da palavra Lúcifer também mostra algumas dissonâncias entre o que é hoje e o que já foi um dia, uma vez que ela é a junção de duas palavras também originárias do latim, Lux, significando Luz, e Fero, o mesmo que Carregar, ou melhor exposto, Aquele que Carrega a Luz. Nome interessante para um arcanjo do bem. Essa variante do nome vem da versão bíblica da Vulgata, sendo a tradução latina do livro sagrado católico feita por São Jerônimo, que viveu entre 340 e 420 dEC.


A Estrela da Manhã, Vênus, ao nível do oceano Pacífico. A dententora do maior brilho no céu. Como os movimentos de Vênus parecem ser descontínuos (desaparece devido à sua proximidade com o Sol, por muitos dias seguidos, e depois reaparece no outro horizonte), algumas culturas não reconheceram Vênus como entidade única; ao invés disso, assumiram que eram duas estrelas separadas em cada horizonte: a estrela da manhã e a estrela da tarde. No entanto, um selo cilíndrico do período Jemdet Nasr indica que os antigos sumérios já sabiam que as estrelas da manhã e da tarde eram o mesmo objeto celeste. Os sumérios associavam o planeta à deusa Inanna, conhecida como Ishtar pelos acadianos e babilônios posteriores. Ela tinha um papel duplo como deusa do amor e da guerra, representando assim uma divindade que presidia o nascimento e a morte.


Já na variante que influenciou largamente a Europa nos séculos seguintes, a versão da Bíblia do Rei Jaime ou Jaime VI, 1566 a 1625, que reinou simultaneamente a Escócia, Inglaterra e Irlanda devido à União das Coroas, Lúcifer é citado e traduzido como “a brilhante Estrela da Manhã”. É valido relembrar aqui que no passado o planeta Vênus era tomado por esse nome: a Estrela da Manhã, uma vez que em certas partes do planeta e em determinadas épocas do ano, o planeta se torna visível a olho nu nos primeiros momentos do dia. Como arqueoastronomos afirmam: a Estrela da Manhã era o indicador possível para eventos na Terra, tal como momentos religiosos, decisões agrícolas, etc.

Sim, ainda segundo o livro bíblico na versão que temos acesso hoje, o mito diz que Samael ele foi expulso do Reino dos Céus por ter se rebelado contra a figura de Deus onipresente e onisciente que a religião prega nos dias atuais. Não apenas ele, mas 1/3 de toda a população de anjos que o apoiou em suas ideias de revolução foram exilados. Após ser derrotado junto com seus seguidores, e ocorrer a expulsão, foi condenado a residir na região tida como Inferno, e largamente conhecida e entendida hoje pela população mundial. Interessante como essa fração da ideologia religiosa é semelhante com o envio do poderoso Hades para seu reino no Submundo dos Mortos na mitologia grega, bem mais antiga que a cristão, porém que coexistiram durante o domínio do Império Romano da região.

Uma nota relevante a se observar é a própria origem na língua luso portuguesa. O português falado em Portugal, evoluiu do latim vulgar, uma versão do latim falada por soldados, indivíduos das cidades capturadas, sitiadas e integradas, e pelo baixo escalão das tropas romanas durante o gigantesco domínio do Império Romano, que durou de 27 aEC até 476 dEC, e cobriu imensas regiões da Europa, Ásia e África. Nessa versão do latim, muitas palavras sofriam mudanças não só na pronuncia, mas também em sua conotação principal, isso segundo a língua da população dominada na região. Ritos religiosos também eram agregados com a própria religião romana, tudo para que não houvesse conflito ideológico religioso ao dominar e estatizar novo comando sobre aquela cidade dominada e sua população, uma estratégia que funcionou muito bem durante séculos. E que por fim criou novas línguas e variações que vemos espalhadas pela Europa.

Tais variações ajudam a rastrear origens dos mitos religiosos, assim como ainda a palavra Inferno e seu conceito raiz.


Afresco do século XVI representando o Primeiro Concílio de Niceia.


Teoricamente, os textos sagrados que fazem parte da Bíblia foram juntados e canonizados durante o concilio de Niceia, em Bitínia (uma antiga região do noroeste da Ásia Menor, chamada de Anatólia, sendo a moderna Turquia) pelo Imperador Romano Constantino I em 325 dEC. Constantino reuniu os responsáveis pela juntada dos textos e decisão do que ficaria ou não no livro sagrado, porém não há evidências hoje que ele tenha participado diretamente como o processo.

Nesse primeiro concílio foi julgado quais textos seriam evangelizadores, e os que não seriam. Os escritos não aceitos foram denominados como apócrifos, os textos que não seriam interessantes fazer parte do cânone bíblico, assim nascendo a primeira versão do livro sagrado cristão.

É fato e bom lembrar que existiram inúmeros concílios após esse nos séculos que se seguiram, e mais textos foram cortados e agregados da juntada original, sem falar das múltiplas traduções e novas interpretações feitas durante os 1.700 anos de viagem temporal que a Bíblia fez até chegar nos dias atuais.

Isso é relevante levantar, pois como visto, o termo Inferno, do latino infernum, que significa “as profundezes, mundo inferior”, na versão hebraica, deriva de outra palavra, que não foi considerada nos concílios, pois a variante já era outra.

A variante vem do termo grego Hades, significa: sepultura, que deriva do hebraico Sheol, ou Xeol e por vezes Seol, palavra compreendida originalmente como “região dos mortos” ou até “mundo dos mortos”, “dimensão dos mortos”, é um termo usado em sua época de forma genérica, que não distingue religião, credo ou origem, seria algo para qualquer indivíduo do mundo que já foi vivo um dia.

O Novo Testamento bíblico se lido em grego, é encontrado a palavra Hades se referindo a Inferno, e sheol sendo um tipo de morte temporária, pois segundo o credo da religião cristão e versículos do livro do apocalipse: após a morte o indivíduo irá aguardar o dia do juízo final, onde as almas se levantarão dos túmulos com seus corpos materiais e terão seu julgamento feito; se foram boas pessoas merecerão o reino dos céus, se foram mal, então serão aniquilados (uma leitura pensando nos paralelos com o fluxo pós-morte egípcio de certos momentos da antiguidade é mera especulação sobre reciclagem mitológica).

Ao menos, essa é a versão em um dos Apocalipses. Na bíblia, hoje, há apenas uma versão do apocalipse, mas nos concílios outros foram removidos e tidos como apócrifos. Lembrando aqui que os textos seriam cartas, transcrições das palavras pregadas e reflexões dos apóstolos, e feitos por escribas que ouviram as histórias de outros populares e nenhum deles sequer tiveram contato com os ditos anos de vida da deidade Jesus, haja vista que os primeiros textos datas de 70 dEC. Sendo assim, alguns bispos e outras entidades de poder da Igreja julgaram e votaram, durante os concílios, que alguns apóstolos estavam errados em suas narrativas sobre o apocalipse e não os colocaram na bíblia.


MAS ONDE MORA A RELEVÂNCIA COM O MITO DO SUBMUNDO, DO MUNDO INFERIOR?

A ideia de submundo, como podemos observar na palavra Hades, originado da mitologia religiosa grega também carrega o mesmo significado, O Reino de Hades, O Submundo ou O Mundo Inferior, onde há um governante descido ou exilado do Divino Monte Olimpo pelo Deus Regente e Poderoso, Zeus. Esse líder, Hades, é conhecido como o Deus do Submundo. Lá é para onde as almas condenadas são levadas para a aflição eterna sob as mãos de Hades e seus demônios. Dentro do Reino de Hades ainda tinha um local com as cavernas e grutas mais profundas e cantos mais terríveis, a pior perdição para as almas julgadas pelas paixões humanas e malignas, o Tártaro – do latim tartarus, tártaro do mongol, e tartarus, além do grego tártaris.

E o mais importante é que nas lendas gregas esse reino era um lugar palpável, onde indivíduos vivos poderiam ir, como forma de um grande feito, podendo ser executado apenas por deuses ou semideuses. Fato esse que se assemelha muito com a mitologia religiosa da região mesopotâmica difundida entre sumérios, acadianos e neobabilônicos. Em ênfase aos mais antigos, fica a cargo da reciclagem mitológica se encaixar como um reflexo sobre as mesmas narrativas dos textos, cantigas e poemas sumérios e acadianos sobre suas deidades e as aventuras para descerem até sua versão de Mundos dos Mortos, no Subterrâneo da superfície onde habitavam, ou seja, nossa superfície.

É importante ressaltar que para os nórdicos também existia um lugar de perdição pós morte comandado por um dos três filhos de Loki, o Deus irmão de Thor. Ou melhor, uma filha, a Deusa da Morte, Hel, e por vezes chamada de Hella (sim a Marvel Studios deturbou bastante a história de Hella). Em seus domínios, o Helheim, traduzindo para Reino de Hel. Esse também era considerado uma morada de perdição das almas que morrem com desonra e são torturados por seus habitantes, mas acima de tudo, uma localidade palpável, tangível e passiva de ir e vir se caso o indivíduo estiver vivo, tudo dependendo das capacidades do herói do mito. A semelhança fonética entre o nome Hel, do Reino de Helheim é clamada pela filologia como sendo uma mera coincidência com o som da palavra em inglês que significa Inferno: Hell.

Já abrangendo os habitantes desses reinos e, principalmente, do conceito de Inferno segundo as religiões abraâmicas: Demônio em português Brasil, vem de demónio (europeu), e deriva do grego, daimon, que chegou ao português pelo latim vulgar daemonium. Para a mitologia cristão seria a palavra que determina o opositor ao bem do Criador Supremo, já no contexto judaico e islâmico (as outras duas das três grandes religiões abraâmicas) a conotação é outra, pois demônios se tratam de seres imperfeitos criados no 6º dia da criação das coisas por Deus, e que na língua local dessas religiões são mais conhecidos como jinn, ou em tradução literal: gênio.

Jinns são seres da religião islâmica e mulçumana que pertencem ao mundo intermediário entre o conceito de Céus e a Terra, angelical e humano, sendo criaturas sobrenaturais e dotadas de alguns poderes diversos, mas a grande diferença é que são ligados não apenas ao mal, como na religião cristã, mas também ao bem. Podendo serem agentes de ambos os lados a depender de sua natureza.

Portanto, as etimologias das palavras têm mais a nos ensinar que apenas os seus significados distorcidos que transitaram de milénios atrás até os dias de hoje.

Porém a compreensão do mito não reside apenas nas palavras, mas nas origens, a cultura do povo que o criou, seu momento evolutivo, a cultura que a rodeava, os povos que dominaram uns aos outros e suas cargas culturais miscigenadas, além de muito mais. Como pode ser observado, as três grandes religiões abraâmicas têm origens iguais, de Abraão, um homem nascido, crescido, educado, ensinado, que absorveu a cultura local e imigrou da cidade de Ur, umas das três grandes e mais importantes cidade-estado da Acádia, que antes disso era o império Sumério até se miscigenar. E há muito mais na origem na ideia de submundo vindo dos sumérios que podemos imaginar.

No livro, The Sumerians: Their History, Culture and Character, ou em tradução literal: Os Sumérios: Sua História, Cultura e Caracteres/Escrita, o autor, Noah Kremer, lista diversas semelhanças entre o Velho Testamento que vão muito além do fato de Abraão ser da cidade de Ur.

Apenas do autor, Noah Kramer, ser polêmico e, por vezes, demonstrar um forte viés cognitivo sobre suas conclusão, fato é que as ideias empregadas nesse livro sagrado cruzando traduções antigas de placas de argila preservados pelo tempo e com textos com mais de 2000 anos aEC, traça uma linha abraâmica recente quanto à criação do universo sobre algo milênios mais antigo de conteúdo sumério do descritivo bíblico sobre esse fato. Assim como delineia semelhanças absurdas da criação do Homem, passando pelo mito do dilúvio na Epopéia de Gilgamesh, ou mesmo a disputa e história de assassinato entre os irmãos rivais: Caim e Abel; cita a narrativa da Torre de Babel, possivelmente passada na cidade paleolítica de Jericó, fundada 9000 anos antes da Era Comum, uma cidade palestina, situada na Cisjordânia com mais de 11.000 anos de idade. E cria paralelismos míticos religiosos entre esses povos da mesma região que chegam a semelhanças fenomenais.


Jericó, a primeira cidade conhecida a adotar a estratégia de murros de proteção, fundada há aproximados 11.000 anos.


E por fim, a mistura das línguas, a ideia de “anjo da guarda” que também vem da mitologia suméria e/ou acadiana. O conceito de retaliação divina em forma de catástrofe, frequente na Bíblia, também faz partes das histórias divinas da região babilônica, tradições religiosas que perduraram e têm pelo menos 3.000 anos a mais que os textos bíblicos. Algo que Abraão, aparentemente, absorveu como traço cultural de sua cidade natal.

Enfim, não por último e muito menos, o menos importante, a morte e mundo inferior. Devemos lembrar que a bíblia, por exemplo, foi escrita em diversos dialetos da época, ao menos antes de ser juntada em um único livro, sem falar dos textos de Moisés, que formam o Velho Testamento, e centenas de anos mais antigos. O Sheol hebraico bíblico, assim como o Reino de Hades grego, são oriundos de uma mesma descendência, o Kur sumério.

O Kur é tido como a última morada escura e terrível dos mortos. Compreendido como um mundo palpável e existente abaixo da superfície. Ele era apresentado dessa forma por se tratar de um lugar onde deuses poderiam ir e vir, com certas dificuldades, mas ainda assim, poderiam. Era um local palpável que poderiam até levar súditos consigo se caso desejassem. Por vezes traduzido como “subterrâneo” e não “submundo” a partir das tabuas com registro em cuneiforme e palavras originais do povo da época.

Irwin Finkel, filologista e assiriologo, crador do Museu Britânico e autor do livro The First Ghosts, em tradução literal: Os Primeiros Fantasmas - uma explanação sobre as milhares de tabuas sumérias, acadianas e de demais periodos da região babilônica que narram a concepção cultural dos povos da época sobre esse tema tão interessante.


A conotação de submundo como uma dimensão subalterna ao mal e à dimensão do bem, é uma confusão normal ao termo subterrâneo, já que em várias línguas os termos, a palavra empregada para ambos os significados era a mesma. Em vários documentos literários escritos em cuneiforme decifrados por especialistas, tal como Irwin Finkel (filologista e assiriologista, curador do British Museum – Livro: The First Ghosts, 2021), das milhares de placas de argila encontradas até hoje, várias narrativas mostram que alguns dos mitos perduraram até os dias de Abraão e os conceitos foram passados para frente através de ensinamentos religiosos, e por consequência seus ensinamentos, e chegaram até os dias atuais.


Para compreender melhor o mito, devemos compreender suas origens.

O conceito do como seria e o que significaria Kur para os Sumérios é impregnada em paralelos do que foi trazido à luz da atualidade pelos textos bíblicos. Numa citação direta de um texto sumérios, Kur seria “o lamentável lar de antigos reis e príncipes”, “a ressurreição das sombras dos mortos”.

Em outro momento da mitologia suméria e/ou acadiana, expõe o paralelo do aprisionamento em Kur, do então deus da fertilidade e pastor Dumuzi, o que em hebraico/bíblico tem seu equivalente usado sob o nome de Tammuz, aquele por quem as mulheres de Jerusalém lamentavam com fervor até os dias do profeta Ezequiel.

Os habitantes da região da suméria ainda tiveram textos narrando com desbravadas de heróis e deuses indo até o submundo, fisicamente, tal como podemos observar o mesmo teor na mitológicos grega também.

Exemplo disso é Inanna, a deusa suméria associada ao amor, ao erotismo, fertilidade e fecundidade, reciclada mitologicamente por diversos povos, tal como Astarte pelos gregos, e mais tarde popularmente conhecida como Afrodite, e o nome seguia mudando conforme o povo que a venerava: Ashratum para os babilônicos, na mitologia mesopotâmica em geral já seria Ishhara, Irnini, Astarteia e Astoreth. Já para Canaã: Asherah, Ashtaroth ou Ashtoreth seria a deusa do amor, das plantas e da fertilidade, com associação aos oceanos e à Lua. Há uma narrativa cuneiforme que fala da sua jornada ao submundo para visitar sua irmã, Ereshkigal.

Interessante, é que para os povos antigos, a ideia de transição dos seres tidos como deuses entre a superfície da Terra até o submundo era algo palpável, físico, pois os ditos deuses eram mortais, morriam, e por sua vez, iam em jornadas para o submundo por motivos múltiplos, mesmo assim, o ápice da narração era sempre o retorno e suas conquistas.

Típica narrativa arquetípica do mito do herói ou uma reminiscência de algo palpável?

E se esse submundo imaterial e dimensionalmente inalcançável pelos vivos, fosse apenas uma tradução indevida em certos momentos do que realmente a palavra em foco queria transmitir: SUBTERRÂNEO.

Em certos momentos SUBMUNDO poderia ser apenas isso mesmo: o subsolo, e Anúbis no Egito poderia saber muito bem disso.


Continua na próxima parte da matéria... aguardem a PARTE 2.

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