Você deve ter percebido as aspas na palavra Anunnaki, ao título do artigo. Isso, porque o termo "Anunnaki" é frequentemente associado aos sumérios, e é comumente usado para se referir a uma raça de deuses antigos que teriam vindo à Terra para criar a humanidade. No entanto, na verdade, os sumérios não utilizavam exatamente essa palavra, e não existe sequer uma menção ao termo anunnaki em uma tabuleta suméria que tenha sido encontrada.
A palavra "Anunnaki" é um termo acadiano, que foi utilizado posteriormente pelos babilônios , assírios e hititas para se referir aos deuses sumérios. Na língua suméria, os deuses eram chamados de "Anunna" ou "Anunnage", que eram termos coletivos para se referir a um grupo de deuses.
Como sabemos disso? Porque a própria historiografia suméria nos conta. O mais antigo registro escrito de um termo que se refira ao grupo de deuses da mitologia suméria é o famoso Épico de Kharsag (tradução moderna: Épico de Hursag), nome dado pelo arqueólogo, geólogo e ex-presidente da Anglo-Iranian Oil Company, Christian O'Brien, a uma série de nove poemas épicos escritos em cuneiforme sumérios, em Nippur, na Antiga Mesopotâmia.
Cada lado deste cilindro contém um épico, ou seja, uma história mitológica da criação dos homens e das cidades. São seis lados, ou seja, 6 épicos, onde alguns estão parcialmente destruídos, e outros, ainda que desgastados e rachados, podem ser lidos perfeitamente. Sua datação aponta um período entre 2704-2660 a.e.c, ou seja, pelo menos 4700 anos.
É nas linhas 13-14 do S-3(lado 3) que encontramos a mais antiga menção ao termo que nos interessa, Anunnge. Ao que se sabe, primeiramente, entre 2900 e 2400, os Sumérios utilizavam este termo Anunnage, para referir-se as deuses de sua mitologia, e posteriormente, com o advento da cultura neo-suméria, entre 2300 e 2100 a.e.c., passou-se a se utilizar somente o termo "Anunna", sem o (ge) no final, que a título de curiosidade, é um indicador de posse, como nosso "de/do".
Acima, podemos ver os sumerogramas, sua transliteração, e sua tradução crua, feita por min. Agora, faremos a tradução acurada, a última etapa da tradução de um texto em qualquer que seja a língua morta.
Como o texto inicia-se com o nome de um local, adiciona-se um indicador, como o "em", sendo assim, temos "Em Kharsag".
an-ki-bi-da-ge: significa literalmente "onde o céu e a terra de encontram".
erim a-ni: significaria "assembleia no céu", então, podemos acurar para "assembleia celestial".
Perceba que "dingir, an e anu" possuem o mesmo símbolo, o que vai diferenciar qual significado deve ser utilizado para cada símbolo é sua ordem gramatical. No cuneiforme sumério da épica em questão, era comum prefaciar a-nun-na com dois signos estelares, pois o primeiro é um determinante divino, o segundo o nome do deus anu, que por sua vez, assim como o "an" significa 'céu'. É como se o deus principal de um religião se chamasse céu, e morasse no céu.
a-nun-na(ge): significaria - filhos que vieram de anu, então podemos acurar para "filhos/prole de anu".
im-tu-ne: chegaram eles, acuramos para "eles chegaram".
es-a-nu: muito eles sábios - podemos acurar para "os mais sábios".
Agora que fizemos a tradução acurada e adequaremos á ordem gramatical de nossa língua, e então teremos a tradução do mais antigo registro que cita dos deuses Anunnage/Anunna (ou anunnaki, se você preferir, mas está errado).
Tradução acurada e adequada:
"Em Kharsag, onde o Céu e a Terra se encontram, a Assembléia Celestial, os Grandes Filhos de Anu, os mais sábios, chegaram."
Este é o mais antigo registro de um termo que se refira aos deuses sumérios como eles próprios os chamavam. Posteriormente, obviamente, foram encontrados e decifrados outros textos que os citam como anunnage, e anunna, mas nenhum tão antigo quanto o Épico de Kharsag, e nenhum que cite o termo anunnaki antes da ascensão e domínio acadiano, o que nos indica, sem sombra de dúvidas, que os sumérios nunca utilizaram o termo que mais é utilizado atualmente ao nos referirmos aos deuses da mitologia suméria.
Temos também outros registros do épico de Kharsag, cópias feitas por outros escribas para as bibliotecas de suas respectivas cidades, tanto sumerianas, quanto de outras culturas, principalmente acadianas, onde se encontra o melhor exemplar de uma cópia do Épico. Estas levam os épicos descritos separadamente em tabuletas de argila, não em um cilindro com 6 lados e cada um com uma história diferente, como no caso do cilindro principal do Épico de Kharsag, que citamos. Veja algumas imagens de cópias do épico, encontradas nas ruínas de outras cidades.
Certo é que para alguns, essa distinção não fará a mínima diferença, pois muitos não estão interessados na verdadeira mitologia, no que os antigos nos falam sobre eles mesmo. Mais certo ainda, é que para alguns, assim como para min, saber desses detalhes e minucias sumérias fará toda a diferença, pois não estamos aqui para desvirtuar o que os antigos nos disseram, mas sim para entender, traduzir e saber contar a história deles da maneira mais correta possível, pois é o mínimo que podemos fazer para retribuir a eles, que tanto contribuíram para a evolução de nossa cultura.
Bibliografia:
The Genius of the Few : The Story of Those who Founded the Garden in Eden - C. A. E. O'Brien, Barbara Joy O'Brien, Dianthus Publishing, 1985 reprinted 1999.
Golden Age Project - Christian O'Brien's - Kharsag Epic No 1 S-3: The Arrival of the Anunnage – Tablet No. CT BM 14005-A
Caso você tenha interesse em aprender mais detalhes sobre este tema, indico o meu último e-book: A verdadeira "Bolsa" Anunnaki, onde explico e comprovo com imagens de achados arqueológicos e historiografia o que realmente era esse item e o que ele representava, bem como a descrição bem mais completar destes seres e seus mitos.
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